sábado, 17 de fevereiro de 2007

Carta ao Provedor da RTP

Sr. Provedor do Telespectador da RTP

Sr. Prof. Dr. Paquete de Oliveira


Temos assistido, nos últimos anos, a uma campanha contra o Estado, com afirmações, repetidas, sobre a necessidade de reduzir o peso do Estado sem que, com igual dimensão e insistência, se ouçam argumentos a favor da manutenção do peso do Estado ou, como seria equilibrado, se ouçam argumentos a favor do aumento do peso do Estado.
Não está aqui em causa se a retracção do Estado é a melhor opção política para Portugal, neste momento. O que está em causa é o pluralismo e o acesso dos cidadãos a todas as perspectivas contrárias sobre as questões políticas fundamentais.

Creio que é dever de um serviço público a manutenção de um estado de verdadeiro pluralismo informativo, o que só pode ser conseguido com igualdade na dimensão e frequência de argumentos contrários, sobre o mesmo assunto em decisão, aumentando a probabilidade de chegar informação plural a cada cidadão.
No meu entender, deveria a RTP focar a sua informação em argumentos e projectos a favor da expansão do Estado, de forma a repor o equilíbrio e igualdade informativa que assegure uma efectiva pluralidade de informação. Claro que compreendo a dificuldade em aceitarmos a necessidade de um tal posicionamento equilibrante mas penso que, em democracia, não devem existir tabus e assuntos interditos ao debate, neste caso não se deve interditar o debate sobre os processos de equilíbrio informativo.

Durante muitos anos assistimos a uma campanha, de sentido político contrário, contra a iniciativa empresarial que, também, nessa época, muito prejudicou o país. Infelizmente, na altura, não existia mecanismo institucional nem o nível de liberdade que possibilitasse a rectificação da situação. Felizmente, hoje, temos liberdade jurídica assegurada e a instância do Provedor, o que nos dá esperanças de, finalmente, começarmos a criar mecanismos para um real pluralismo informativo, condição fundamental para uma verdadeira democracia.

Poderá V. Ex.ª listar vários programas nos quais foram ouvidas posições antagónicas sobre esta questão que, provavelmente, concordaram todas na necessidade de reduzir o peso do Estado, o que mostra o carácter apenas aparente das contradições expressas.
Poderá V. Ex.ª listar vários programas nos quais foram ouvidas posições antagónicas sobre esta questão mas duvido que possa quantificar o peso da campanha unidireccional que, nos últimos anos, tem percorrido os meios de comunicação social e que urge equilibrar.
Poderá V. Ex.ª hesitar, irremediavelmente, perante o carácter inovador e o respectivo nível de risco envolvido na acção que agora se solicita.
Poderá V. Ex.ª ter dificuldade em avaliar qual o nível de assimetria informativa e qual o decorrente nível de rectificação que deveria ser feito no Serviço Público. Infelizmente, não existe em Portugal um observatório sobre a pluralidade de informação.
Poderá V. Ex.ª ter fortes intuições negativas sobre a viabilidade política de uma acção rectificativa.
Poderá V. Ex.ª ter dificuldade em conceber a prática programática concreta de uma acção rectificativa.
Poderá V. Ex.ª ter dificuldade em encontrar fontes, fundamentadas, de argumentação, moderna, a favor do desenvolvimento do espaço público via evolução do Estado, difíceis de encontrar nas academias frequentemente rendidas ao conforto do status quo actual.
Poderá V. Ex.ª concluir que esta questão só poderá ser resolvida por mecanismos de regulação do mercado que, em muito, extravasam a capacidade equilibrante da RTP.
Poderá V. Ex.ª considerar, por último, que os mecanismos de intervenção mais habitualmente sugeridos pouco têm provado, embora eu possa assegurar a V. Ex.ª que muitos mecanismos heterodoxos podem ser tentados, sendo que alguns são radicais mas muitos outros são progressivos, reformistas e razoáveis.
Não obstante todos estes óbices, creio que V. Ex.ª deve responder a esta solicitação, no sentido de promover um diálogo sobre a questão imperiosa do acesso à informação que, hoje, afecta, profundamente, as democracias modernas.
Sem pluralismo na informação e igual acesso à comunicação não creio existir democracia mas sim manipulação, correndo o risco de nos irmos aproximando, lenta mas inexoravelmente, de um regime de férreo controlo sobre os cidadãos, absolutamente oposto ao espírito democrático.
Em suma, venho pedir, a V. Ex.ª, vigilância na defesa da democracia, talvez a mais importante questão dos nossos tempos.

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